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segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Guarda compartilhada, família unida

fonte: AGENCIA ESTADO

Qui, 21 Ago, 02h20

Guarda compartilhada, família unida

Por Fabiana Caso

São Paulo, 21 (AE) - Maurizio Rodolfo Zelada, de 45 anos, brinca com os quatro filhos, os trigêmeos Flora, Gregório e Luiza, de 13 anos, e a primogênita Maria, de 19. Quando se separou da mãe deles, há cinco anos, fez questão de alugar um imóvel no mesmo bairro da ex-mulher, para facilitar o contato com os filhos. Mesmo assim, sentia que os de fins de semana alternados não eram suficientes. "Sentia muita saudade."

Em um acordo informal, conseguiu mais dias de convívio. Já faz quase um ano que fica todas as segundas e terças-feiras com os filhos, além de um fim de semana a cada 15 dias. Para isso, teve que criar uma estrutura. Como é autônomo, tenta deixar a agenda livre para os filhos nos dias em que está com eles. Além disso, arrumou uma empregada.

Bem-humorado, Maurizio conta que começou a desenvolver novas habilidades, como cozinhar no jantar. "Fiz até uma carne assada outro dia." Os filhos aprovaram. Aliás, costumam cozinhar juntos à noite: enquanto um faz o macarrão, o outro cuida do molho. E estão aprendendo a dividir tarefas não tão gratificantes, como lavar louça.

Para evitar confusões, Maria, a filha mais velha, fez uma planilha com a divisão das tarefas. "Não podemos deixar de fazer a cama, lavar a louça, arrumar tudo, porque o espaço é menor", fala. "Mas aqui é mais liberal, tem mais salgadinho, podemos ver a novela das 9", acrescenta Luiza. "E estamos aprendendo coisas que, para os nossos colegas, parecem de outro mundo", encerra Flora.

Os filhos estão muito satisfeitos com o arranjo. "Quando meus pais falaram que iam se separar, fiquei triste e confusa. Mas agora estou feliz: dá para conviver com os dois. Escuto mais o que meu pai diz do que antes", fala Flora. "Ganhamos dois presentes", diverte-se Luiza. "E fazemos programas diferentes. Com meu pai vamos mais a exposições, parques e, com minha mãe, a almoços de família e ao cinema", conta Gregório.

O pai também se mostra satisfeito. "Contribuo com meu modo de ver a vida, que pode ser diferente do da mãe deles", fala. "Por enquanto, talvez seja confuso para eles, mas com a maturidade será enriquecedor ter as duas visões." Maurizio toma as decisões sobre a educação dos filhos junto com a ex-mulher: chegam a um consenso quando discordam. "A mãe deles é muito dedicada e amorosa. As intenções dela são boas, apesar de as soluções serem diferentes das minhas." As crianças se dão bem tanto com a namorada do pai como com o namorado da mãe, que também tem gêmeos e outro filho.

Para a psicóloga Tamara Brockhausen, especializada em psicologia jurídica e mediação, a guarda compartilhada faz parte de uma mudança de paradigmas na sociedade. "Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, o homem passou a ocupar um novo lugar como pai, ficou mais ativo." Quanto à questão de ter duas casas, comenta que pode ser enriquecedor para os filhos. "A criança tem uma capacidade incrível de adaptação. Pode conviver com as diferenças sem se sentir dividida ou em conflitos."

NA ATIVA

O publicitário Alexandre Borges, de 38 anos, sempre foi participativo na vida da sua filha Giulia, hoje com 5 anos. Trocava fraldas, esquentava papinha, dava banho, levava a pequena ao pediatra, lia para ela e participava de todas as reuniões do colégio. Quando se separou, há um ano e meio, teve plena consciência de que continuaria presente. "Não queria virar um visitante de final de semana, como um tio, excluído da rotina", fala. "Este ano está sendo incrível porque acompanhei a alfabetização dela, isso não se repete!"

O que começou como um acordo amigável, hoje está registrado no papel. Apesar de não ter o nome de guarda compartilhada, funciona exatamente da mesma maneira. A filha fica com ele toda terça-feira e, a cada 15 dias, também às quintas e nos fins de semana. Quando saiu de casa, Alexandre procurou um apartamento próximo, com uma boa estrutura para Giulia. Decorou o quarto da filha com brinquedinhos, papel de parede e muitas bonequinhas da Hello Kitty, que ela adora.

Quando estão juntos, fazem as lições de casa, jogam, lêem, vão ao teatro, cinema. Alexandre gosta de prepará-la para os eventos culturais. Antes de levá-la ao musical "A Noviça Rebelde", por exemplo, alugou o DVD e assistiram o filme juntos duas vezes. "Era um espetáculo longo, e poderia ter sido atordoante se não conhecesse a história. Mas ela adorou!", conta o pai, que seguiu o mesmo caminho com "O Mágico de Oz".

Agora que Giulia precisa mudar de colégio, já visitou umas dez escolas, e a mãe foi checar outras. "Sentamos, com toda a diplomacia, e conversamos sobre tudo que envolve o cotidiano dela: escola, aula de inglês, cursos, etc." Alexandre defende a guarda compartilhada. "Não há motivos para não acompanhar o cotidiano do filho, mesmo que haja briga com a mãe - pois, na maioria dos casos, as separações não são pacíficas."

TÃO LONGE, TÃO PERTO

O editor de livros Analdino Rodrigues Paulino Neto, de 57 anos, atual presidente da Associação de Pais e Mães Separados (www.apase.org.br), também é da opinião de que a guarda compartilhada é uma boa solução, em qualquer caso. A Apase, que reúne 10 mil participantes, lutou durante oito anos pela aprovação dessa lei. "Hoje há 10 milhões de filhos de pais separados em litígio", constata. "É justo que esses pais fiquem sem conviver com os filhos por causa disso? A guarda compartilhada é possível em toda situação, mesmo que os pais morem em cidades diferentes."

É exatamente esse o seu caso. Analdino nasceu em Goiás, mas mora em São Paulo. Quando sua filha Amanda nasceu, morava em Ceres, no estado natal. Naquela época, era dono de uma loja e contava com horários flexíveis. Por isso, era quem dava banho e comida para Amanda. Separou-se há oito anos, e o processo litigioso durou seis anos e meio.

No início, lhe foram concedidas as visitas quinzenais de fins de semana. Até então, morava em Porto Alegre, por causa do trabalho, e viajava para encontrar com a filha. No entanto, muitas vezes era impedido de vê-la. "A justiça sempre fica do lado da mãe. Se ela decide que o pai não vai ver a criança, não vê mesmo. E não acontece nada." Conta que chegou a apanhar da ex-mulher, em frente do oficial de justiça, que nada fez. "Fiquei dois anos sem ver a Amanda", lamenta. "Era pai e mãe, mas fui privado desse convívio. Era como ter uma ferida em carne viva. Chorávamos juntos."

Como Amanda sempre insistiu para vê-lo, a mãe acabou cedendo. Para a felicidade de Analdino, em dezembro de 2006, os dois assinaram um acordo de guarda compartilhada. Analdino ficou chateado quando soube que a filha, hoje com 10 anos, queria ficar em Goiânia, mas diz que ela deve permanecer onde se sinta feliz. E planeja se mudar para lá quando possível. "Por enquanto, fico por dentro do seu cotidiano pelo MSN e telefone. A guarda compartilhada é possível até quando se mora em continentes diferentes, por causa da tecnologia."

Quando vai a Goiás, pelo menos a cada dois meses, passa de 10 a 15 dias direto com a filha. E participa de todas as decisões sobre a vida da pequena. Foi quem escolheu a escola onde estuda, decidiu que faria aulas de inglês e que teria acompanhamento psicológico. "Hoje ela está ótima: tem boas notas na escola, é sociável. Seus olhinhos voltaram a brilhar." A guarda compartilhada melhorou até seu relacionamento com a ex-mulher. "Foi minha filha que ponderou que eu deveria ser amigo da mãe dela. Hoje sorrimos e até nos abraçamos."

PROLE UNIDA

A família do empresário Alexander Nicolas Dannias, de 39 anos, virou um "mosaico". Um acordo judicial amigável prevê que compartilhe metade do tempo com os filhos do primeiro casamento, Fernando, de 9 anos, e Marina, de 7. Separou-se há cinco anos, mas casou-se novamente há três anos. Com a segunda esposa, tem o filho Andreas, de 2 anos, e a enteada Julia, de 6. Segundo ele, todas as crianças se dão bem, até estudam na mesma escola.

Hoje, Fernando e Marina ficam com ele às segundas e terças-feiras, além de um fim de semana a cada 15 dias. Logo que se separou, seguiu o esquema oficial das visitas quinzenais. "Não precisou de muito tempo para sentir que isso estava errado. Acontece um distanciamento...

Quando você se separa, não está se separando dos filhos." Depois de ter lido muito sobre guarda compartilhada, solicitou o aumento do convívio, o que foi acontecendo progressivamente. "Em alguns países, esse sistema é o padrão. É melhor, pois os pais dividem as responsabilidades, e possibilita que a mãe possa desenvolver sua carreira, ter outros relacionamentos", comenta. "Numa separação, devemos fazer de tudo para que o impacto seja o menor possível para as crianças."

Para ficar mais perto dos rebentos, montou um escritório em casa, de onde pode resolver assuntos de trabalho nos dias em que estão juntos. Com tantos filhos, seu desafio é conciliar os papéis de pai, marido, homem. Há fins de semana que "pula" de festinha em festinha. "É enriquecedor ver que você está contribuindo para formar novos cidadãos, e aprendendo com eles também."

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