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sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Casal homossexual de Pernambuco consegue adoção inédita



Publicação: 09/10/2008 17:32 Atualização: 09/10/2008 18:20
Em uma decisão inédita no Brasil, o juiz Élio Braz, da 2ª Vara da Infância de Recife, emitiu sentença favorável a um casal homossexual que se inscreveu no cadastro de adoção para cuidar de duas crianças. A decisão foi aceita pelo Ministério Público de Pernambuco e não cabe mais recurso. De acordo com o magistrado, outras duas sentenças brasileiras já beneficiaram pessoas do mesmo sexo que vivem juntas, mas, em ambos os casos, cada parceiro entrou com o pedido na Justiça sozinho, e não como um casal. Esse tipo de estratégia de adoção individual é a principal forma encontrada por casais homossexuais para barrar o preconceito de alguns juízes e garantir o direito à paternidade e à maternidade. A decisão desta semana, porém, abre precedente em todo o país.

O casal beneficiado mora em Natal, capital do Rio Grande do Norte, e já havia tentado a adoção naquele estado, sem sucesso. Os dois companheiros chegaram a esperar dois anos por uma resposta da Justiça, mesmo aceitando crianças mais velhas do que as normalmente escolhidas pelos pretendentes a pais. Depois da expectativa frustrada, os dois foram ao Recife e entraram no cadastro de adoção juntos, como um casal heterossexual faria normalmente.

A resposta chegou rápido, na forma de duas irmãs de 3 e 5 anos, que moravam em um abrigo do Recife e tinham acabado de ser destituídas do poder familiar. “Normalmente o estágio de convivência entre os pretendentes e os adotantes é de apenas um mês, mas nesse caso durou um ano, afinal, estávamos enfrentando um desafio legal e os supostos impedimentos para a adoção”, explicou o juiz que garantiu a decisão.

O magistrado entende que a legislação brasileira não proíbe a adoção de crianças e adolescentes por casais homossexuais. “O que acontece é que durante votação do Projeto de Lei 6.222/2008, na Câmara Federal, os deputados retiraram o artigo que autorizava a adoção por pessoas do mesmo sexo. No entanto, ficou a lacuna. Na minha sentença sou claro: a existência de lacuna não impede o direito”, ressaltou. O projeto de lei ainda vai seguir para avaliação do Senado.

Um parecer psicológico favorável ao casal foi emitido pela psicóloga Edineide Silva, da Coordenação do Núcleo da Adoção e Estudos da Família da 2ª Vara da Infância da Capital. “Quando um casal homossexual deseja adotar, vai buscar posicionar a criança no lugar de um filho. Essa posição não se configura na presença do gênero em si, se os pais são homem ou mulher. Essas funções são simbólicas e podem se configurar em casais do mesmo sexo também”, ressaltou.

Campanha

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) lançou quarta-feira a segunda etapa da campanha Mude um destino, em favor da adoção consciente no país. A intenção dos juristas é chamar a atenção para as vantagens do processo através do Judiciário que, segundo eles, não é burocrático. “As pessoas têm o direito de escolher. A AMB não é contra isso. Mas é preciso alertar para as conseqüências da escolha por um tipo determinado de criança. A espera pode chegar a até cinco anos. Não há burocracia. Não podemos destituir o poder familiar de forma irresponsável para atender as escolhas dos casais”, ressaltou o coordenador nacional da campanha, Francisco de Oliveira Neto.

Adoção por homossexuais

Maria Berenice Dias

Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM

No Brasil, vem crescendo o número de homossexuais que se candidatam à adoção. Ainda que de forma tímida, vem sendo concedida a adoção a um homossexual, não havendo mais necessidade de que oculte sua orientação sexual para a habilitação. O curioso é que sequer são questionados os pretendentes sobre se vivem um relacionamento homoafetivo. Assim, é deferida a adoção sem atentar em que a criança irá viver em um lar formado por duas pessoas e que será criada e amada por ambas.

No entanto, permanece a resistência em ser concedida a adoção a um casal que mantém uma união homoafetiva. As justificativas são muitas: problemas que a criança poderia enfrentar no ambiente escolar; ausência de referenciais de ambos os sexos para seu desenvolvimento; obstáculos na Lei dos Registros Públicos... Mas o motivo é um só: o preconceito. Há uma enorme resistência em aceitar os pares de pessoas do mesmo sexo como família. Existe o preconceito de que se trata de relacionamento sem um perfil de retidão e moralidade que possa abrigar uma criança.

Essa aparente intenção de proteger as crianças, porém, só lhes causa prejuízo. Vivendo em famílias homoafetivas e possuindo um vínculo jurídico com relação a apenas um do par, resta absolutamente desamparada com relação ao outro, que também é considerado pai ou mãe. A ausência do estabelecimento de uma relação chancelada juridicamente gera a absoluta irresponsabilidade de um dos genitores para com a criança.

Essa postura omissiva da Justiça felizmente vem sendo superada. Passou a atentar a tudo que vem sendo construído doutrinária e jurisprudencialmente na identificação dos vínculos de parentalidade. A filiação socioafetiva se sobrepõe sobre qualquer outro vinculo, quer biológico, quer legal. Negar a possibilidade do reconhecimento da filiação que tem por base a afetividade, quando os pais são do mesmo sexo é uma forma perversa de discriminação que só vem prejudicar quem apenas quer ter alguém para chamar de mãe, alguém para chamar de pai.

Se são dois pais ou duas mães, não importa, mais amor irá receber.

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